ALTERAÇÃO DO NOME SOCIAL PARA PESSOAS TRANS SEM CIRURGIA: DIREITO À IDENTIDADE E DIGNIDADE
A identidade de uma pessoa é um dos aspectos mais fundamentais de sua dignidade. Para a população transgênero, o nome social é um elemento essencial de reconhecimento e respeito. No Brasil, o direito à alteração do nome e do gênero no registro civil sem a necessidade de cirurgia de redesignação sexual representa um avanço significativo na garantia dos direitos fundamentais dessas pessoas. Este artigo abordará os fundamentos jurídicos dessa mudança, analisando a doutrina e a jurisprudência sobre o tema.
Historicamente, a alteração do nome e do gênero nos documentos oficiais exigia comprovações médicas e intervenções cirúrgicas. No entanto, essa exigência violava princípios constitucionais como o direito à dignidade da pessoa humana, à autodeterminação e à igualdade. Com o avanço da compreensão sobre a identidade de gênero, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) consolidaram o entendimento de que a mudança pode ocorrer independentemente da realização de cirurgia.
Fundamentos Legais e Doutrinários
A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Além disso, o artigo 5º garante a igualdade perante a lei e o direito à intimidade e à vida privada.
No campo infraconstitucional, o Código Civil, em seu artigo 16, dispõe que “toda pessoa tem direito ao nome”. Já o artigo 58 da Lei de Registros Públicos (Lei n.º 6.015/1973) permite a retificação do nome nos casos em que este expuser seu titular ao ridículo ou quando houver justo motivo.
A doutrina também reforça esse entendimento. Segundo Maria Berenice Dias (2018), “a identidade de gênero é inerente à personalidade e não pode ser condicionada a um procedimento médico invasivo, pois o direito ao nome e ao reconhecimento da identidade deve ser garantido de forma autônoma”.
Jurisprudência
O marco jurisprudencial mais relevante sobre a matéria foi o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275 pelo STF, em março de 2018. O Tribunal decidiu, por unanimidade, que pessoas transgênero têm o direito de alterar o nome e o gênero no registro civil sem a necessidade de cirurgia ou apresentação de laudos médicos. O relator, ministro Marco Aurélio, destacou que “a identidade de gênero reflete a maneira como o indivíduo se percebe, e não pode ser imposta pelo Estado ou por terceiros”.
Além disso, o Provimento n.º 73/2018 do CNJ regulamentou esse direito, determinando que a alteração pode ser feita diretamente em cartório, sem necessidade de ação judicial, salvo em casos de recusa pelo oficial do registro.
Procedimento para Alteração do Nome
Com base nas normativas atuais, o procedimento para alteração do nome social é relativamente simples. A pessoa interessada deve comparecer ao cartório de registro civil com os seguintes documentos:
- Documento de identificação oficial com foto;
- CPF;
- Certidões negativas (criminal, cível e eleitoral);
- Comprovante de residência.
O pedido será analisado pelo oficial de registro e, se não houver impedimentos, a alteração será realizada administrativamente. Caso haja recusa, o interessado pode recorrer ao Poder Judiciário.
Conclusão
A possibilidade de alteração do nome e do gênero no registro civil sem a necessidade de cirurgia representa um grande avanço para a população trans no Brasil. Esse reconhecimento jurídico está alinhado com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade individual. A jurisprudência e os provimentos administrativos consolidaram esse direito, proporcionando um procedimento acessível e desburocratizado. Dessa forma, o país dá um passo importante na luta contra a discriminação e na promoção da inclusão social.
Referências:
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
- BRASIL. Código Civil. Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
- BRASIL. Lei de Registros Públicos. Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973.
- BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 4275, Relator: Min. Marco Aurélio, julgado em 1º de março de 2018.
- CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento n.º 73, de 28 de junho de 2018.
- DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.